Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

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Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Acalanto para o menino afogado



Eu não conheço o menino afogado
Nada sei sobre o menino afogado
Eu não matei o menino afogado

A culpa não é minha

Culpem o mau tempo
O pai, que não segurou direito o menino
O fanatismo... quem sabe, o imperialismo?
Qualquer coisa

Parem de postar a foto do menino afogado

Não é real
Parece um boneco que o mar jogou na praia
Com tanta foto boa
De criança queimada, esburacada de bala, deformada, esmigalhada

Aquelas fotos
De se olhar e dizer
A guerra é uma coisa horrível!
Até quando, oh, Senhor?
Ainda bem que, no Brasil...

Chega dessa porra de menino afogado

Ele não é meu filho
È só um menino
Parece tranquilo
Podia estar dormindo
Que bom que não vai acordar

Eu acordo
Vejo sua foto pela milésima vez
E não sei o que dizer

Marco Lisboa
8/9/15










quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A invasão

A invasão - Capítulo 5



Mao Tsé-tsé - O Presidente Mao nos ensina – “Quando dizemos que o imperialismo é um tigre de papel, estamos a falar em termos estratégicos. Considerando-o como um todo, devemos desprezá-lo. Mas se considerarmos cada uma das suas partes separadamente, devemos levá-lo a sério. Tem garras e mandíbulas afiadas.” Camarada Chou, em sua opinião, qual é a razão do fracasso dos sucessores de Bin Laden?
Chou Le Zhin: Eles não aplicam a linha de massas?
M. Não, eles fracassam porque usam as mesmas armas que o inimigo. Se meu tio-avô estivesse vivo, ele diria que as três grandes pragas modernas são o computador, o celular e o GPS. Lutar contra o imperialismo recrutando nas redes sociais, falando em celulares e revelando sua localização pelo GPS é como caçar um tigre à noite, sem batedores.
C. Como então construiremos nossa rede?
M. Temos que dar dois passos atrás, se quisermos ficar um passo à frente do inimigo. Recrutarmos à moda antiga, em encontros pessoais. Nossos agentes se manterão em movimento, de preferência no exterior, onde um bando de turistas chineses não chamará a atenção.
C. E como nos comunicaremos? Graças à influência ideológica dos costumes burgueses, um turista chinês sem Iphone é como um panda no meio do deserto. O presidente Mao nos ensina que para acabar com os fuzis, deveremos empunhar o fuzil. Não poderíamos usá-los para mandar mensagens em código, através de frases de aparência inocente?
M. Nós devemos nos misturar às massas, como um peixe dentro da água. Nossos agentes usarão tabletes, Iphones e todo esse lixo burguês. Entraremos nas redes sociais, tiraremos selfies, mandaremos mensagens para os amigos. Se algum de nós for identificado pelo inimigo, eles terão milhares de textos e imagens para serem analisados.  E não encontrarão nada, pois não haverá nada para ser encontrado.
C. E como enviaremos as verdadeiras mensagens?
M. O Presidente Mao nos ensina que as ideias corretas não caem do céu. “Elas só podem vir da prática social, dos três tipos de prática: a luta pela produção, a luta de classes e os experimentos científicos na sociedade. Estou pesquisando os métodos de criptografia já utilizados. Os antigos escreviam mensagens no couro cabeludo ou em papiros que precisavam serem desenrolados de uma certa forma. Eu descartei as mensagens cujo suporte é um meio físico, porque elas podem ser capturadas.
Os alemães usavam o rádio. Uma máquina, o Enigma, produzia uma sequência de letras que deveria ser lida por outra máquina. A chave era mudada a cada 24 horas. Era engenhoso, mas Turing provou que toda mensagem cifrada, em tese, pode ser decifrada.
C. Então, o que nos resta?
A conversa transcorria em um banco, no meio de um pomar de árvores frutíferas e acompanhada pelo chilrear dos pardais.
 Em 1958, o presidente Mao lançou uma campanha de higiene contra as quatro pragas: mosquitos, moscas, ratos e pardais. Os três primeiros eram escolhas óbvias. No horóscopo chinês, o tigre simboliza o número três e os tigres estavam em desgraça. Os pardais foram incluídos, para se obter um número mais propício, o quatro, que representa a Terra e remete às coisas concretas.
Os pardais (principalmente o pardal-montês da Eurásia) comem sementes de grãos, roubando os frutos do trabalho dos camponeses. As massas da China foram mobilizadas e tiveram que bater panelas. Impedidos de pousar, as aves caiam exaustas dos céus. Seus ninhos eram derrubados, os ovos quebrados e os filhotes mortos. Escolas, unidades de trabalho e órgãos do governo, eram citados e celebrados, de acordo com o volume de pragas aniquilados.
Como resultado, as aves quase foram extintas
Em abril de 1960, percebeu-se que os pardais, além dos grãos, comiam uma grande quantidade de insetos. A produção de arroz havia caído significativamente. Os percevejos tomaram então o lugar dos pardais, como a quarta praga, mas já era tarde: houve uma grande proliferação de gafanhotos. O Grande Salto para a frente havia trazido desmatamento, uso abusivo de venenos e pesticidas e desequilíbrio ecológico. Tudo isso agravou a Grande Fome Chinesa, na qual mais de 30 milhões de pessoas morreram de fome. No meio de tantos chineses, elas passaram despercebidas.
Na Nova China Revisionista, os pardais voavam livremente.
M. Veja esse bando de pardais. Sua revoada é uma das coisas mais voláteis e transitórias que existe. Entretanto, em um dado momento, cada pássaro está em uma posição determinada. Se essa posição pudesse ser associada a uma coordenada, com a chave certa, escreveríamos a mensagem mais secreta do mundo.
C. Nesse caso, vamos fotografar uma revoada, codificar as posições e mandar a chave separadamente.
M. Teríamos vários problemas. Ninguém anda tirando fotos de revoadas o tempo todo e a chave teria que relacionar coordenadas num plano a letras. Seria o mesmo que mandar diretamente uma mensagem cifrada.
Pense em homens, no lugar de pássaros. Pense nos painéis humanos que os norte-coreanos executam nos estádios.
C. Poderia ser algo assim. Mas não temos tantos agentes e a mensagem, mesmo se durasse poucos segundos, poderia ser interceptada. Nós não podemos deixar rastros e nem chamar a atenção.
M. Os pássaros não carregam um cartaz. Uma mensagem hipotética só dependeria de suas posições. Poucos agentes, formando um painel humano, onde cada posição é um símbolo, seria o mais perto que poderíamos chegar de uma mensagem perfeita.
C.E Como decodificaríamos essa formação? Os aliados capturaram uma máquina Enigma e, a partir dela, conseguiram decifrar o método e chegar a uma chave geral.
M. Temos que estar dois passos atrás dos imperialistas. Lembra dos cartões perfurados? Através deles, os primeiros computadores recebiam seus programas e seus dados. Nós ainda temos alguns desses fósseis guardados em nossas universidades. Ele receberam um número de patrimônio e não podem ser destruídos. Vamos usar o atraso e a burocracia a nosso favor.
C Então o que temos a fazer é usar os nossos agentes para numa determinada hora ocuparem uma certa posição. Cada um receberá uma coordenada de GPS. O destinatário só terá que jogar essa mensagem em um cartão perfurado.
M. Restam ainda dois problemas, embora sejam relativamente fáceis. Nós podemos usar os nossos computadores antigos, para escrever uma mensagem e perfurar um cartão. Os furos serão a posição que cada um deverá ocupar. Como é que nosso agente decifrará essa mensagem? Os antigos computadores ocupavam várias salas. E, finalmente, onde deveremos colocar nossos agentes, de forma a não chamar a atenção?
C. Sabe aqueles antigos jogos para os primeiros computadores? Existem emuladores que são capazes de rodá-los nos computadores atuais. Só precisamos ter um programa que simule a leitura de um cartão perfurado. Não deve ser difícil.
M. E onde colocarmos nossos agentes?
C. O melhor lugar é a vista de todos. No ponto turístico mais visitado de cada cidade. Na Praça Vermelha, no campo de Marte, em lugares assim. Nosso agente irá tirar uma foto perfeitamente inocente, a foto será transformada para gerar um cartão perfurado e o cartão perfurado será lido.
M. Sim, mas ficarão rastros. Os programas e a foto. Essa mensagem terá que perder rapidamente a sua utilidade. Os alemães usavam o Enigma para dar as posições dos alvos a serem destruídos. Depois do bombardeio, a mensagem não tinha mais valor.
C. Então será assim que mandaremos a mensagem do juízo final. Um agente, com um tablete, tirará uma foto, decifrará a mensagem e acionará a carga explosiva com uma chamada. Ninguém poderia imaginar algo assim. É essencial que a autoria seja desconhecida.
M. Um americano disse que tudo o que um louco pode imaginar, um outro louco poderá descobrir. Desde que esse louco esteja no lugar certo, na hora certa, o que é quase impossível, nesse caso. Só precisamos de uma mensagem alternativa, caso tivermos que abortar a missão. Essa poderá ser transmitida como uma mensagem normal, via Iphone.
C. È só dizer que uma mulher abortou, mas passa bem. Os agentes que irão detonar as cargas saberão imediatamente do que se trata. E no meio de tantas mensagens irrelevantes, essa não despertará atenções.
M. Perfeito. Agora vamos tratar de alguns detalhes...

Os microfones direcionais eram de um modelo antigo. A barreira de árvores e a algaravia dos pardais iria exigir um trabalho árduo dos agentes da Guoanbu, a Agência de Segurança da República Popular da China.