Escrito nos raros momentos de folga de uma jornada fatigante.

Consulte o dicionário do cinismo, no rodapé do blog.

Divulgação literária e outros babados fortes

Versos cretinos, crônicas escrotas e contos requentados. O resto é pura prosa.

domingo, 19 de dezembro de 2010

A chacina da Lapa - dezembro de 76

No Brasil de Geisel ainda se tortura e se mata

"Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou". Esta frase dita por um policial-torturador ao dirigente comunista Haroldo Lima um dia após a sua prisão mostra bem o nível de arrogância dos agentes da ditadura militar. Os fatos, porém, pareciam confirmar aquele trágico anúncio. Um jornal do dia 17 de dezembro, ecoando a opinião do regime discricionário, também estampava: "O PCdoB foi destruído". Esta não seria a primeira vez que frases como estas seriam pronunciadas e impressas com destaque na grande imprensa. 

No dia anterior, 16 de dezembro, numa verdadeira operação de guerra, os órgãos de segurança haviam invadido uma casa modesta - localizada na Rua Pio XI, nº. 767 no bairro da Lapa em São Paulo - e assassinado friamente dois dos mais importantes dirigentes comunistas brasileiros: Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Poucas horas antes outro dirigente, João Batista Drummond, havia sido morto durante uma sessão de tortura no DOI-CODI paulista. A versão mentirosa da ditadura foi que Ângelo e Pedro haviam resistido à prisão e que João Batista havia sido atropelado ao tentar fugir da polícia. Este foi o último massacre de militantes de organizações da esquerda que combatiam a ditadura. "

Trecho de um artigo de Augusto Buonicore, publicado no site do Instituto Maurício Grabois.

Eu estive nesta sala, em reuniões com membros do Comitê Central do PC do B, no início dos anos 70. Na época era da diretoria da UNE, gestão Honestino Guimarães. Os corpos são de Pomar e Arroyo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Posse na Academia de Letras de Teófilo Otoni - ALTO


Na foto, a Presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni, Amenaide Bandeira Rodrigues faz a entrega do diploma de membro correspondente.
Abaixo, reproduzo meu discurso, muito aplaudido, principalmente no seu início: "Serei breve."


Senhora Presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni, demais membros da mesa, convidados, senhoras e senhores presentes,

Serei breve. Não fugirei do protocolo que me pede para sê-lo. Desde já, de maneira alguma, esse chamado à concisão me desagrada. Não se é físico impunemente. Foi antes um alívio, saber que teria que me concentrar no que realmente importa. Escolhi fazer uma síntese do que representou para mim essa convocação.
 Assim que recebi o convite para me tornar membro correspondente dessa Academia, foi inevitável pensar que estaria sucedendo ao meu amigo Luiz Paulo Lírio de Araújo. Uma leitura conscienciosa de seus estatutos convenceu-me de que não há uma cadeira permanente de membro correspondente. Não bastasse essa razão, além de mim, foram convocados outros escritores com o mesmo direito a reivindicar esse título inexistente; alguns até com um maior tempo de convivência com esse grande escritor. Mas a sensação inicial persiste.
Eu e Luiz estávamos ligados por dois laços muito fortes. Um que remonta a nossa juventude, aos tempos de estudantes do Estadual Central. Pertencemos a uma geração privilegiada do ponto de vista histórico: éramos adolescentes em 64, amadurecemos com o AI-5 e nos tornamos adultos nos anos de chumbo. 
Essa vivência trouxe ao nosso trabalho de escritor algumas características em comum: a irreverência, a rebeldia e a preocupação com as causas sociais. Marcas de uma geração que teve Dilma e Henfil, para citar apenas dois dos mais ilustres ex-estudantes do Estadual.
Outro laço, mais recente, veio da luta na frente cultural. Uma grande amiga em comum, Clevane Pessoa, que eu acabara de conhecer, nos aproximou novamente. Nossa trincheira, durante certo tempo, foi a Revista Estalo, onde, pela primeira vez, fui publicado.
Luta árdua, que, às vezes, nos lembrava os tempos da ditadura. Sentíamo-nos como que acendendo velas na escuridão.  Luiz encarava o ofício de escrever como um chamado. Eu era mais cético. “Use menos o lirismo e mais a paulada, dizia-lhe. Estamos num país de analfabetos funcionais. Poupe suas energias.” Ele dava sua risada inconfundível e seguia em frente. Lembro-me, ainda agora, o orgulho e a alegria com que tomou posse na Academia de Letras de Teófilo Otoni.
Meu amigo não poupou energias. Nem tempo, nem dinheiro e nem saúde. Batalhou até o último instante, literalmente. Revejo-o no hospital, com o laptop no colo, comentando o que seria o seu próximo conto, calcado nas peripécias de seu internamento em Aracaju.
Sua morte prematura foi um catalisador. Avivou chamas, despertou ânimos, encorajou vocações latentes. Nesse sentido, somos todos, um pouco, seus sucessores. Temos o mesmo compromisso. E é esse compromisso que me trouxe hoje, até esta casa. Muito obrigado. 

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Perguntas que não querem calar

Respondam por favor,

1) Quais foram os termos do acordo que permitiu aos traficantes saírem do Morro do Alemão?
2) O que vale mais para a "sociedade": 100 carros queimados ou uma meia dúzia de favelados mortos no fogo cruzado?
3) Em quem os traficantes mandaram os moradores do Morro do Alemão votar para Governador e Presidente?
4) Qual foi o dispositivo constitucional que suspendeu a inviolabilidade do domicílio no Morro do Alemão? Ou será que barraco de favelado não é domicílio? 
5) Quando é que começa a limpeza dos policiais que recebem propina dos traficantes, repassam armas e devolvem a droga apreendida? Ou será que só tem mocinho nas forças do bem?
6) O que vai ser feito com a grana apreendida? E com a droga?
7)  Quando é que começa o combate às Milícias?
8) Quando é que as autoridades desse país vão começar a falar sério?
E cá entre nós, como tem traficante bundão no Rio. Um país em que prostituta goza, cafetão se apaixona e traficante cheira, não pode dar certo.


domingo, 28 de novembro de 2010

De volta às lides literárias

Laptop novo, arquivos transferidos com sucesso, estou de volta. Dia 11 de dezembro, tomo posse na Academia de Letras de Teófilo Otoni como membro correspondente. Meu amigo Luiz Lyrio também já teve essa honra. O livro sobre o Araguaia continua em elaboração. Fiz uma entrevista muito interessante com Pedro Albuquerque, que me recebeu muito bem em Fortaleza e que lançou novas luzes sobre o assunto. Mais umas duas entrevistas, estarei em condições de procurar editora. Em breve, publicarei aqui a entrevista com Pedro.
Na foto, Pedro, à esquerda e eu à direita. Sem nenhuma conotação política, esclareça-se.

sábado, 30 de outubro de 2010

Se Lula é de esquerda, minha avó é o prédio do Ministério da Fazenda

Lula faz elogios a Médici e Geisel durante cerimônia

Plantão | Publicada em 23/04/2008 às 16h44m
Chico de Gois - O Globo
BRASÍLIA - Em discurso na cerimônia do 35º aniversário da Embrapa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou nesta quarta-feira os governos dos generais Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e Ernesto Geisel (1974-1979), ambos do período ditatorial. Segundo o petista, foi no governo de Médici que, "apesar de tudo", foram criadas a estatal de pesquisa agropecuária e a hidrelétrica de Itaipu.
- É com orgulho que as pessoas às vezes falam: "Lula defende o governo Geisel". Não podemos ficar julgando eternamente as pessoas por um gesto ou dois, e não pelo conjunto do que fizeram - disse Lula.
Foram só um gesto ou dois, mas como doeram! As perguntas que não querem calar; com que moral, a esquerda lulista vai continuar dizendo  que o nosso ex-presidente é de esquerda? Com que moral irão cair de pau na Folha de São Paulo, que chamou a ditadura militar de ditabranda?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Lula disse que não é de esquerda. Eu acredito nele!

Jaime Leitão - Publicado em 15.12.2006

Ultimamente eu tenho me contido nas críticas ao presidente reeleito Lula, esperando que ele diga ou faça algo que me permita elogiá-lo, mas está difícil. Essa última declaração dele provocou reações indignadas merecidas. Em evento em homenagem a ele, promovido pela revista “Isto É”, que entregou a Lula o título de “Brasileiro do ano”,Lula disse: “Se você conhecer uma pessoa muito idosa de esquerda, é porque ela tem problemas...Aos 60 anos, a gente se transforma no caminho do meio”. Lula já havia dito no começo do seu mandato que nunca foi de esquerda, justo ele que foi votado maciçamente por eleitores de esquerda.
A reação veio a jato. O geógrafo Aziz Ab`Saber, de 82 anos, desabafou: “Meu silêncio é a minha crítica aos disparates desse governo”. Hélio Bicudo, advogado e ex-petista, de 84 anos, reagiu: “Sou mais de esquerda hoje do que quando tinha 60 anos”.
Jaguar, um dos nossos melhores cartunistas, não se conteve: “Lula está gagá. Ele pega o poder com a mão esquerda e depois faz o resto com a mão direita”. Essa afirmação tem a ver com os elogios repetidos que Lula tem feito a Delfim Netto, sinalizando claramente que ele está muito mais para a direita do que para a esquerda.
O senador reeleito, Eduardo Suplicy, do PT, falou: “Uma coisa é você ter maturidade aos 60 anos e outra é perder os ideais de justiça, de igualdade e liberdade. Eu, por exemplo, tenho 65 e, se me perguntar, digo que sim, sou de esquerda”.
O sociólogo Chico de Oliveira não deixou por menos: “O camaleão é um bicho que se adapta a qualquer ambiente, e isso porque é fraco...Isso se aplica ao Lula. Ele é um camaleão porque ele é fraco politicamente, ideologicamente e intelectualmente...Tenho 73 anos, e continuo de esquerda , com muito orgulho”.
Ao afirmar isso, Lula ataca a própria construção da sua candidatura, embasada em um discurso de esquerda que foi se enfraquecendo à medida que ele passou a governar, atrelado ao sistema econômico de uma forma ainda mais ferrenha que o seu antecessor FHC. E a reação não veio da oposição, mas de intelectuais e de setores que representam justamente a esquerda que cobra o mínimo de Lula: coerência em relação ao seu passado, o que ele não vem demonstrando já há um bom tempo.
A socióloga Maria Victoria Benevides foi enfática e irônica: “Quando li a declaração do Lula, pensei: “Tenho de ir ao médico urgentemente. Continuo na esquerda no sentido de Norberto Bobbio, que disse que a diferença entre a esquerda e a direita é que a esquerda luta por justiça social e a direita quer manter o status quo. Acho que foi uma indelicadeza do presidente”
Um presidente deve manter vivo o compromisso com o seu passado, com a sua história. Ele tem dito tanto que quer entrar para a história. Mas dessa maneira? Lula se empolga quando está diante de empresários e perde o senso.

Dilma e a fé Cristã

Minha avó Chiquinha era uma mulher de poucas luzes, embora muito sábia, à sua maneira. Vários de seus netos foram perseguidos durante o regime militar. Meu primo Apolo se exilou e eu fiquei 9 anos clandestino.
Assim que retomamos  nossa vida normal, ela nos chamou ao seu apartamento no conjunto IAPI, em São Cristóvão. A salinha pequena estava cheia de familiares. Minha vó nos esperava com uma pergunta: - vocês acreditam em Deus?
Meu primo respondeu: - acredito que há um Deus em toda a parte, inclusive em nós mesmos ... blá, blá, blá .... alguns O chamam de inteligência superior .... blá, blá, blá ... mas o importante é ... blá, blá, bla´... porque a religião não garante que a pessoa seja honesta .... blá, blá, blá. Minha avó fez igual ao gato do Wiskas - só escutou: eu acredito em Deus. Suspirou aliviada e olhou para mim.
Com toda diplomacia, tato e sutileza, que me são peculiares, eu respondi:
- Não.
Vó Chiquinha, coitada, murchou.
Essa é a resposta que eu gostaria de ouvir da Dilma. Aliás, eu gostaria que ela dissesse com todas as letras que o Estado Brasileiro é laico e que a convicção religiosa não deve interferir na escolha de seus dirigentes. Perderia muitos votos, não ganharia o meu, mas colocaria a discussão nos devidos eixos.
Não sei por que, lembrei-me de Vó Chiquinha quando li o artigo de Frei Beto  “Dilma e a fé Cristã”. Selecionei alguns trechos: “Ex-aluna de colégio religioso, dirigida por freiras de Sion, Dilma, no cárcere, participava de orações e comentários do Evangelho. Nada tinha de marxista atéia.” Ex-frequentador de Centro Espírita, batizado na crença protestante, vou a missas de sétimo dia, casamentos e batizados. Tenho cara de marxista ateu até hoje. 
Frei Beto não disse: Dilma continuou católica.
Ele vai mais longe: “Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os tempos vivos de Deus...” Engraçado, a vida todo eu pratiquei errado o ateísmo militante. Agora é tarde, vou continuar com a minha versão.
Prossegue Frei Beto: “... posso assegurar que não passa de campanha difamatória, diria, terrorista – acusar Dilma Roussef de “abortista” ou contrária aos princípios evangélicos.” De novo ele não disse: Dilma é contra a descriminalização do aborto. Seria chato desmentir declarações anteriores dela.
“...Ninguém é dono da verdade. Nem tem o direito de julgar o foro íntimo do próximo.” Julgar implica condenar. Discordar significa  reconhecer na posição do outro posição diferente da sua. Meus amigos católicos nunca sentiram necessidade de ocultar sua religião e nunca se aborreceram quando eu discordei, filosoficamente, de sua opção. E vice-versa.
“Dilma, como Lula, é pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica.” Até que fim, uma declaração conclusiva e absoluta. Ledo engano. Ele continua relativizando suas afirmações. ”É na coerência de suas ações, na ética de procedimentos políticos e na dedicação ao povo brasileiro que políticos como Dilma e Lula testemunham a fé que abraçam.”
Santa ingenuidade a minha. Prestes, Amazonas, Marighella e tantos outros eram cristãos! E eu que pensava que o católico testemunha a sua  fé freqüentando uma igreja, participando de seus sacramentos e seguindo a Bíblia. Como o comunista testemunhava sua militância participando de um organismo do partido, obedecendo ao seu estatuto e pagando a sua contribuição.  Realmente, eu sou uma pessoa muito apegadas às exterioridades.
“Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho.” Cáspite. Essa foi forte. Em grande parte do que eu realizei, falei ou escrevi, espero que encontrem muita coisa contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho. Espero também me  encontrar com Marx no inferno, se existir um. Quero ficar longe de Dilma, que certamente estará no céu,  em cima de uma nuvem, junto com os santos, tocando harpa para  Jesus.
Por último, Frei Beto pontifica: “Jesus se colocou no lugar dos mais pobres e frisou que a salvação está ao alcance de quem, por amor, busca saciar a fome dos miseráveis, não se omite diante das opressões, procura assegurar a todos vida digna e feliz. Isso o governo Lula tem feito, segundo a opinião de 77% da população brasileira... Dilma, se eleita presidente, prosseguirá na mesma direção.”
Perguntas que não consigo calar: Os 23% que não aprovam o governo Lula são ateus? Se Serra ganhar, ele será mais cristão do que Dilma? O milagre da multiplicação dos pães foi uma antecipação do bolsa família? Em quem os muçulmanos devem votar?
Eu admiro o tato, a diplomacia e a sutileza de Frei Beto. Como não sou o Gato da Wiskas, só prestei atenção ao que ele não disse. Ele esticou tanto o conceito de cristianismo, que o tornou irrelevante. Espremendo-se tudo, chega-se à conclusão, deixando de lado os exageros, que Dilma, segundo Frei Beto, sempre agiu em prol do povo.
Ele só não disse: Dilma acredita em Deus. E olha que o artigo se chama Dilma e a fé cristã. Esperava que, depois de lê-lo, poderia responder conclusivamente se Dilma é, ou não, atéia. Fiquei sem resposta. Ou melhor, como não sou cristão, continuei com minha convicção anterior. 

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Fantasma de Maliuta



Ogun Iye patakori! Salve Ogun, o cortador de cabeças! Grigóri Lukiánovich Skurátov-Biélski (Григо́рий Лукья́нович Скура́тов-Бе́льский), vulgo Maliuta Skurátov, está baixando.  Gricha é filho de Ogun e andou cortando umas cabeças, lá pelos idos de 1570.
A Wikipédia traz umas poucas linhas sobre Maliuta. Informa que ele desencarnou em 1573, assassinado, e que foi um dos líderes mais odiados da Opríchnina, durante o reinado de Ivan IV.
Este último foi imortalizado por Eisenstein, no filme Ivan o Terrível. Para combater os boiardos e a Igreja - as elites da época, o Tsar criou a Opríchina – um governo paralelo, com terras, orçamento e exércitos próprios. Maliuta fazia parte da tropa de choque, os oprichniks, a polícia secreta de  Ivan.
O Tsar, em nome da governabilidade, havia sido obrigado a fazer um acordo com a Igreja, comprometendo-se a não mais cortar cabeças dos nobres que conspiravam contra ele. Maliuta não seria mais do que um verbete esquecido na lata de lixo da história, se não fosse uma cena antológica do filme. Vendo que a oposição não deixava seu amo em paz, ele se ajoelha aos pés de Ivan e promete que vai ser o seu cãozinho fiel, o seu sabujo. Maliuta irá na frente, fazendo o trabalho sujo, cortando as cabeças, sem que seu dono precise saber.
Depois de desencarnado, o espírito de Maliuta evoluiu muito pouco. Ultimamente ele anda assombrando o mundo virtual. Antes do segundo turno, era evidente que Marina andava tirando votos da Dilma. Maliuta baixou e começaram a surgir matérias acusando a candidata de ser conivente com o esbulho do conhecimento de uma tribo indígena  sobre a biodiversidade. O vilão era a Natura, empresa do vice de Marina.
Antes, Maliuta já havia baixado do outro lado, produzindo uma série de acusações contra Dilma, que incluíam roubo, assassinato e outras coisinhas mais. A última de Maliuta foi na questão do aborto.
Maliuta é um espírito inferior e malicioso, que não quer que os outros evoluam. Por isso ele insiste na tese que há um bem maior, que os fins hão de justificar os meios, em suma, que é preciso que alguém faça o serviço sujo.
Tenho amigos que vão votar na Dilma e cujas opiniões políticas eu respeito. Eles me enviaram uma série de artigos reclamando dos cavalos de Maliuta. Meu voto é aberto: voto no Zé Maria no segundo turno. Enfim, sou mais ou menos isento para me posicionar sobre a questão do aborto.
Pessoalmente, sou a favor da descriminalização do aborto. Essa era a posição da Dilma, quando foi perguntada sobre o tema no debate da Folha. Em matéria religiosa, sou ateu desde criancinha. Acredito que Dilma também é. Desde que Fernando Henrique perdeu uma eleição para Jânio, depois de ter afirmado na televisão que não acreditava em Deus, não existem mais políticos ateus nesse país.
Alguns e-mails que recebi reclamam que a campanha virou guerra. É verdade. E a primeira vítima numa guerra é a verdade. Dilma reclama que estão retrocedendo 100 anos ao criar de novo uma questão religiosa. Não reclamou quando a rede Record do Bispo Macedo a apoiou. Reclama de boatos maliciosos. A declaração dela sobre a legalização do aborto foi pública. O PT reclama da Folha, que abasteceu a campanha contra as privatizações de FHC com uma cobertura exaustiva. Reclama da Rede Globo, que apoiou boa parte do governo Lula. Reclama das elites e da direita e exclui Sarney, Maluf, Collor e companhia dessa lista. Aponta como golpista qualquer tentativa de derrotar Dilma nas urnas. Enfim, reclama que Serra está fazendo campanha e que a direita que não apóia o PT continua sendo de direita. Desculpa de aleijado é bota ortopédica.
A Coréia do Norte é inimiga dos Estados Unidos. Bush a colocou no eixo do mal. Eles acabam de promover Kim Jong-un, o filho mais novo de Kim Jong-il, neto de Kim Il-sumg, a general. Ele é o continuador da dinastia Kim. Não há encosto de Maliuta que me faça defender o regime coreano. Aliás, dizem que ele é ótimo para emagrecer. Da mesma maneira, não vai ser a lógica “os inimigos de meus inimigos são meus amigos” que me fará apoiar Dilma.
Olhando de uma perspectiva histórica, até onde posso ver, não haverá mudança significativa na macroeconomia, qualquer que seja o eleito. Se quiserem me convencer do contrário, apontem as diferenças. Nenhum dos dois candidatos, até agora, falou o que espera do Brasil quando ele crescer. Não dá para comparar números do governo FHC com os do governo Lula, a não ser para efeitos propagandísticos. Infelizmente, a nossa economia está completamente atrelada às flutuações da economia mundial e essas são suficientes para explicar os números melhores de Lula.
Lula continuou a política de responsabilidade fiscal, aprofundou as reformas da previdência, não voltou atrás nas privatizações, continuou com os programas assistencialistas de FHC e manteve os rumos do política monetária do Banco Central. No plano político, manteve a essência da base aliada de FHC. Se olharmos para o mapa do primeiro turno, veremos uma reedição da eleição de Collor, com as cores trocadas. Serra está com os pés fincados no Sul e Sudeste e nos estados ligados ao agro-negócio. Lula está firme nos grotões, com destaque para o Piauí, feudo particular da família Sarney. Há flutuações regionais  que fogem a esse padrão, mas a conclusão é uma só: estamos de volta ao populismo e ao clientelismo.
A UNE, a CUT, os sindicatos, a parte organizada da sociedade tornou-se governista. A discussão crítica dentro do PT foi praticamente eliminada. O processo de escolha de Dilma foi coreano. O presidente em exercício nomeou seu sucessor ad referendum de seu partido. É interessante notar que a Polop, organização onde Dilma começou a sua militância, era uma das críticas mais ferrenhas do populismo de AP, a organização de José Serra. Valeria a pena relembrar as críticas do sociólogo Otávio Ianni, hoje esquecido. Ironicamente, a atual trajetória política de Dilma passa pelo  PDT, o herdeiro do Getulismo, até chegar ao Lulismo, sua mais nova vertente populista. Por fim, acaba de ressuscitar o fantasma do udenismo.
Admito que Getúlio, visto de uma perspectiva mais ampla, iniciou a modernização do país; admito que a UDN era extremamente reacionária; mas não me peçam para chamar mar de lama de mar de rosas, urubu de meu louro e legalização do aborto de defesa da vida. Hoje a candidata rezou em Aparecida. Ela afirmou que sua formação é católica e sua crença religiosa, questão de foro íntimo. O homem legenda não perdoou: “ainda bem que não esqueci como se faz o sinal da cruz”. Paris vale uma missa.


sábado, 2 de outubro de 2010

Pedido

Por que eu peço o seu voto

Por que o voto é seu e deve ser valorizado. Minha proposta é fazer de você o dono do mandato. Como? Cadastrando-se no blog do mandato, você poderá discutir, acompanhar e votar nas matérias mais relevantes. O seu representante se obriga a seguir a maioria.
Quais são as minhas credenciais? Faço política desde a adolescência. Fui diretor da UNE, participei do movimento de associação de moradores, da luta sindical e, atualmente participo do movimento Poetas pela Paz.
Qual é a minha formação? Sou físico. Trabalho como auditor fiscal da Receita Federal. Professor de 90 a 94, Fiscal de Tributos da Prefeitura e Analista do Banco Central de 94 a 97. Conheço de perto a Contabilidade Pública, a Lei de Licitações e o Sistema Tributário brasileiro.
Quais as minhas prioridades? Educação, Cultura e Reforma Tributária. No meu blog:
as propostas para essas áreas estão mais detalhadas.
Marco Lisboa - 3676

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Prolegômenos para uma estética da Flatulência

Os ignobéis 

O  Ignobel é um contraponto muito bem humorado à sisudez do Nobel. Existe desde 91 e premia as mesmas áreas, só que com critérios um pouco diferentes. Ele distingue as pesquisas, digamos assim, mais inusitadas. Um dos meus preferidos é  o Ignobel de Física concedido ao cientista que demonstrou, através de simulações, que o pão sempre cai do lado da manteiga. Na realidade, ao ser derrubado, ele tem o tempo exato para executar uma meia rotação em torno de seu centro de gravidade. Murphy está cientificamente correto.
Este ano os físicos se superaram. Uma pesquisa, encomendada pela marinha sueca, comprovou que os arenques se  comunicam através de flatulências. Inicialmente chegou-se a pensar que os ruídos fossem provenientes de submarinos russos. Podemos dizer que a guerra nuclear esteve por um pum!
O flato, além destes aspectos duplamente escatológicos, se presta a outras elucubrações, notadamente no terreno estético. Sem a mínima pretensão de esgotar o tema, examinarei  algumas  metáforas muito batidas, à luz desta recente descoberta. 
O coração é um músculo. Quando vemos um no açougue, não nos passa cabeça que ele poderia ser a sede das paixões e das emoções. Sabemos que é o cérebro que aloja estes sentimentos. E que se o coração bate, dispara ou até mesmo pára, é porque houve um comando lá de cima.
Mas a literatura demora muito a incorporar as conquistas da ciência. E o coração continua padecendo na mão de bons e maus escritores. Ora apunhalado, ora dilacerado, persiste como a sede dos sentimentos, já que o cérebro, seu rival no reino das metáforas, é sempre frio e calculista.  
A língua, que também fica exposta no balcão de frios, é sinônimo de idioma, em várias outras línguas. E a boca, que exterioriza os nossos pensamentos? Ela, que é a porta voz do cérebro, parece ter vida própria, capaz de transformar qualquer discussão em bate-boca. O uso metafórico destas duas é tão generalizado, que passa até despercebido. Já a outra extremidade sonora do aparelho digestivo é amplamente discriminada na literatura. A não ser nas páginas do Marques de Sade, ela nunca é ouvida.
Imaginemos uma estética arenque. Teríamos o intestino no lugar do coração e o esfíncter no lugar da boca. Imaginemos ainda que os abnegados cientistas não tivessem concluído a sua pesquisa e que alguma mente brilhante tivesse “decifrado” os sinais que, supostamente, os submarinos russos estavam emitindo. Por fim, visualizemos um casal de arenques apaixonados, flatulando juras de amor, enquanto os fantásticos doutores da CIA convencem o presidente Bush que a terceira guerra começou. Tudo isto ao som de Fagner.
 Os ignobéis – Prolegômenos para uma Estética da Flatulência

O  Ignobel é um contraponto muito bem humorado à sisudez do Nobel. Existe desde 91 e premia as mesmas áreas, só que com critérios um pouco diferentes. Ele distingue as pesquisas, digamos assim, mais inusitadas. Um dos meus preferidos é  o Ignobel de Física concedido ao cientista que demonstrou, através de simulações, que o pão sempre cai do lado da manteiga. Na realidade, ao ser derrubado, ele tem o tempo exato para executar uma meia rotação em torno de seu centro de gravidade. Murphy está cientificamente correto.
Este ano os físicos se superaram. Uma pesquisa, encomendada pela marinha sueca, comprovou que os arenques se  comunicam através de flatulências. Inicialmente chegou-se a pensar que os ruídos fossem provenientes de submarinos russos. Podemos dizer que a guerra nuclear esteve por um pum!
O flato, além destes aspectos duplamente escatológicos, se presta a outras elucubrações, notadamente no terreno estético. Sem a mínima pretensão de esgotar o tema, examinarei  algumas  metáforas muito batidas, à luz desta recente descoberta. 
O coração é um músculo. Quando vemos um no açougue, não nos passa cabeça que ele poderia ser a sede das paixões e das emoções. Sabemos que é o cérebro que aloja estes sentimentos. E que se o coração bate, dispara ou até mesmo pára, é porque houve um comando lá de cima.
Mas a literatura demora muito a incorporar as conquistas da ciência. E o coração continua padecendo na mão de bons e maus escritores. Ora apunhalado, ora dilacerado, persiste como a sede dos sentimentos, já que o cérebro, seu rival no reino das metáforas, é sempre frio e calculista.  
A língua, que também fica exposta no balcão de frios, é sinônimo de idioma, em várias outras línguas. E a boca, que exterioriza os nossos pensamentos? Ela, que é a porta voz do cérebro, parece ter vida própria, capaz de transformar qualquer discussão em bate-boca. O uso metafórico destas duas é tão generalizado, que passa até despercebido. Já a outra extremidade sonora do aparelho digestivo é amplamente discriminada na literatura. A não ser nas páginas do Marques de Sade, ela nunca é ouvida.
Imaginemos uma estética arenque. Teríamos o intestino no lugar do coração e o esfíncter no lugar da boca. Imaginemos ainda que os abnegados cientistas não tivessem concluído a sua pesquisa e que alguma mente brilhante tivesse “decifrado” os sinais que, supostamente, os submarinos russos estavam emitindo. Por fim, visualizemos um casal de arenques apaixonados, flatulando juras de amor, enquanto os fantásticos doutores da CIA convencem o presidente Bush que a terceira guerra começou. Tudo isto ao som de Fagner.
 
Tenho um intestino
Dividido entre o grosso e o fino
Tenho um intestino, bem melhor se não tivera,
Este intestino,
Não consegue se conter ao ouvir teu flato
Pobre intestino,
Sempre escravo da gordura,

Quisera ver o Bush,
Quando em meu líquido oceano flatular,
Fazendo borbulhas de amor no seu sonar,
Passar as noites em claro, dentro da CIA
O Bush, vai enfeitar de satélites a ionosfera
Fazer piruetas de horror à luz da lua
Saciar esta loucura, dentro da CIA

Flatula intestino,
Que esta alma necessita de ilusão,
Sonha intestino, não te enchas de amargura
Este intestino,
Não consegue se conter, ao ouvir o teu flato
Pobre intestino, sempre escravo da gordura,

Uma noite, para unir-nos, até o fim,
Bomba a bomba, míssil a míssil
E morrer, para sempre ...dentro de ti

P.S. O Aurélio parece ter se antecipado a estética arenque. Ele registra flato como: 1. Flatulência. 2. Desejo forte; ânsia, gana.
PPS Aproveitando que o Aurélio está a mão, temos duas acepções para  Escatologia:
Escatologia¹: Tratado acerca dos excrementos
Escatologia²: 1.Doutrina sobre a consumação do tempo e da história 2. Tratado sobre os fins últimos do homem.


Tenho um intestino
Dividido entre o grosso e o fino
Tenho um intestino, bem melhor se não tivera,
Este intestino,
Não consegue se conter ao ouvir teu flato
Pobre intestino,
Sempre escravo da gordura,

Quisera ver o Bush,
Quando em meu líquido oceano flatular,
Fazendo borbulhas de amor no seu sonar,
Passar as noites em claro, dentro da CIA
O Bush, vai enfeitar de satélites a ionosfera
Fazer piruetas de horror à luz da lua
Saciar esta loucura, dentro da CIA

Flatula intestino,
Que esta alma necessita de ilusão,
Sonha intestino, não te enchas de amargura
Este intestino,
Não consegue se conter, ao ouvir o teu flato
Pobre intestino, sempre escravo da gordura,

Uma noite, para unir-nos, até o fim,
Bomba a bomba, míssil a míssil
E morrer, para sempre ...dentro de ti

P.S. O Aurélio parece ter se antecipado a estética arenque. Ele registra flato como: 1. Flatulência. 2. Desejo forte; ânsia, gana.
PPS Aproveitando que o Aurélio está a mão, temos duas acepções para  Escatologia:
Escatologia¹: Tratado acerca dos excrementos
Escatologia²: 1.Doutrina sobre a consumação do tempo e da história 2. Tratado sobre os fins últimos do homem.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Empolgação - para ser lido ao som de Elis Regina

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Quando a vi
Um soco
                              Na boca do estômago
Bem no âmago
Estava oco

Então subi
Escadas de motel barato
Mais indefeso
Que o gato na toca do rato
Fui gato, depois sapato

Quando a despi
Tremia mais que a barata
Embriagada de inseticida
Que copo de formicida
Nas mãos tontas do suicida

Então gozei
Mais aliviado
Que o torturado
Que na cela é jogado
E cai, meio desacordado

Acordei

Vazio
Indefeso
Embriagado
Torturado
Apaixonado



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

68, o ano que já acabou

Discurso pronunciado pelo Deputado Márcio Moreira Alves, às vésperas do 7 de setembro, que lhe custou o mandato e serviu de pretexto para o AI-5.

"Senhor presidente, senhores deputados,

Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No entanto, isto não basta.

É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7 de setembro.

As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile.
Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.

Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível resolver esta farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia.

Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Conversa do fiscal de renda sobre poesia

Propostas para a Cultura


Maiakóvski escreveu "Conversa sobre poesia com o Fiscal de Renda". Como poeta e fiscal de renda, achei oportuno retomar algumas discussões que esse poema levanta. O texto integral está nesse link:
http://schopenhauerperde.blogspot.com/2008/01/vladmir-maiakvski-1893-1930.html


No preâmbulo, Maiakóvski declara que veio tratar do “lugar do poeta na sociedade proletária”. Devemos entendê-lo em termos mais amplos, como um diálogo entre o artista e o poder.

“O meu trabalho a todo o outro trabalho é igual”. Marx criou a categoria de trabalho humano abstrato – dispêndio de energia humana, sem levar em conta como essa energia é dispendida. O artista, visto por esse prisma, integra a força de trabalho geral. Não houve, até hoje, sociedade em que a utilidade de seu trabalho fosse negada.

Mesmo na antiga União Soviética, onde poetas foram presos como parasitas, acusados de não trabalharem, a União dos Escritores garantia que seus membros recebessem uma remuneração adequada. A fórmula de cálculo levava em conta a tiragem e o número de páginas, entre outros fatores.

Essa é a reivindicação mais básica que pode haver. Sermos reconhecidos como trabalhadores. Com toda a implicação legal e todos os direitos que essa condição acarreta.

Maiakóvski salienta as dificuldades desse trabalho. “Onde encontrar, e a que tarifa, uma rima que mira e mate de uma vez? Dela talvez ainda sobrevivam cinco exemplares nos confins da Venezuela... Cidadão, condescenda, as passagens são caras! A poesia – toda – é uma viagem ao desconhecido.”

Uma vez encontrada a palavra certa, ela resplandece. “Essas palavras põem em luta milhões de corações por milhares de anos.” Ao poder soviético, não passou despercebida essa virtude. Zhdânov, o inventor do realismo socialista, proclamou que os escritores eram “engenheiros de almas”.

Esse é o grande perigo entranhado na relação entre o artista e o poder. Maiakóvski não era de maneira alguma hostil à nova sociedade. No entanto, foi tachado de ‘incompreensível para as massas”. A menina dos olhos do regime era o cinema, que atingia milhões. Mesmo essa arte de massas, sofreu com a ingerência estatal. O coração de Eisenstein não resistiu aos críticos tacanhos, que queriam uma revolução social, mas não toleravam a quebra de um cânone artístico, estabelecido por algum burocrata com veleidades intelectuais.

A arte, ainda que o artista tenha uma profunda preocupação social, não pode ser tutelada.

Por outro lado, há artistas que vêem no poder o Mecenas obrigado a subsidiar a sua genialidade. É comum esse artista lidar mal com as exigências burocráticas. O próprio Maiakóvski estava em dívida com o fisco. São conhecidos, no Brasil, vários casos de mau emprego de verbas públicas destinadas à cultura.

Toda relação entre o artista e o poder deve ser transparente.

Maiakóvski nunca pretendeu um lugar privilegiado para o artista na sociedade. Nunca fugiu do papel social de sua arte. “A nossa dívida é uivar com o verso, entre a névoa burguesa, boca brônzea de sirene. O poeta é o eterno devedor do universo e paga em dor porcentagens de pena.”

“Tudo o que quero é um palmo de terra ao lado dos mais pobres camponeses e obreiros” Modesto em suas exigências pessoais, certamente, ele atribuía à arte um papel privilegiado.“A palavra do poeta é a tua ressurreição, a tua imortalidade, cidadão burocrata. Daqui a séculos, do papel mudo, toma um verso e o tempo ressuscita.”

Ao lado desse caráter transcendente, a arte pode ter um alcance imediato. “... a rima do poeta é carícia, slogan, açoite, baioneta”. Maiakóvski não hesitou em fazer cartazes para ajudar no combate à difteria, nem temeu ser chamado de “o poeta da água fervida”. Defendeu, entretanto, com unhas e dentes o ofício do artista.

“Porém, se vocês pensam que se trata apenas de copiar palavras a esmo, eis aqui, camaradas, minha pena, podem escrever vocês mesmos.”

Nesses tempos de banalização geral, uma tarefa se impõe.

É necessário reafirmar o papel essencial da arte perante a sociedade.

A intenção de reviver esse poema de Maiakóvski, trazendo-o para os dias atuais, foi de balizar algumas idéias básicas. O nosso mandato será fruto de uma elaboração coletiva. Outras questões devem surgir, e estas idéias serão mais bem aclaradas. Este é apenas um ponto de partida, uma provocação.

A escolha do texto é também a confissão de uma influência. Maiakóvski estava constantemente se dirigindo a um público futuro. Ou dialogando com poetas passados, como o fez com Puchkin, no centenário de sua morte. E é o gancho perfeito para submetê-los a esse poema.

Conversação do fiscal de rendas sobre poesia

Há em mim um carniceiro
Que se alimenta da carcaça dos versos apodrecidos
Um açougueiro
Que vende em postas a carne quente dos poemas

Sem silicone, sem botox
Só a crueza do aço inox

Sei apenas que não ousaria tocar
Na unha suja do dedão do pé de Mítia Karamázov
Nunca faria lipoaspiração nas Três Graças
Nem photoshop no auto retrato de Rembrandt
Tudo mais é permitido

Em algum lugar do Brasil
Dizem que há uma repartição
Lá se vendem licenças poéticas

Há outra ainda
Onde sou um modesto fiscal de rendas
Que assinaria sem piscar
O auto de infração de Maiakóvski
E depois, para o consolar, lhe pagaria
Um traçado de cachaça com jurubeba

Ah, esses poetas de gravata amarela
Que não agüentam uma prensa
Qualquer ditadurazinha os derruba
Por qualquer vagaba eles se matam


Menos sensibilidade, camaradas poetas
Nada de cortar as artérias
A nossa intervenção há que ser cirúrgica
Somos apenas velhas parteiras
Induzindo a vida a parir poesia

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quem vai ler o que a gente escreve?


Por que a Geração Y vai mal no ENEM?
Ana Elisa Ribeiro

Para todo lugar que se olha, há um inveterado leitor adulto condenando nossa juventude perdida por conta do resultado do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, que serve, digamos assim, para medir as habilidades de nossos não-leitores em relação à língua portuguesa.

A "mídia", esteja ela onde estiver (digo, no papel, na internet, no rádio), parece reagir à mesma pauta. Todos urubuzando o sucesso do desastre, como diria Renato Russo, em uma de suas músicas menos comentadas. Ordens são ordens, afinal. Diga aí, para a sociedade, que nossos jovens não leem nada e foram supermal na prova de português que o governo brasileiro aplicou.

Raramente se vê algum jornal ou coisa assim explicar, direitinho, como o ENEM é feito, para que ele serve, quem o patrocina, essas coisas que, afinal, interessam menos do que os gráficos dos resultados brutos. É chato ficar lendo explicações. Muito mais legal ler só a caixinha de texto da matéria. Já inspira bastante conversa de boteco, né não?

Sim, é verdade, o jovem brasileiro tem dificuldades para ler. Ah, só para lembrar de associar estes últimos dados a outros, os pais dos mesmos garotos têm as mesmas dificuldades. Dorme com essa.

O escopo do ENEM são os jovens concluintes do Ensino Médio. Na média, uma turma aí pelos 17 anos (se estiverem regulares na escola brasileira), com uns 11 anos de escolaridade (o tal Ensino Básico, que é Fundamental + Médio) e, atualmente, habituês desta tal Sociedade da Informação e do Conhecimento. Uma parte dessa turma teve acesso ao computador e à Web já na barriga de mamãe. Mas parece não ter tido acesso a outras coisinhas. Vamos lá: informação não garante conhecimento; acesso não garante habilidade.

O mesmo governo que mede as habilidades de leitura da turma é este (seja ele qual for, não me refiro ao governo Lula ou a qualquer outro especificamente, ok?) que desmontou a escola básica. E não apenas a pública, que levou a fama toda (você não se lembra, mas a escola pública já foi de dar orgulho à família inteira ― e elas ainda existem, em algumas ilhas). Desmontou também a escola privada, que não passa, na maioria das vezes, de uma empresa vendendo serviços, como qualquer outra. Educação, na boca de certos empresários, é palavrão. Para quê isso?

O ENEM é uma prova feita com base em matrizes de habilidades. O modelo de avaliação desse exame é importado. O Brasil é um dos países que mais recentemente aderiu a esse tipo de avaliação ou controle massivo dos níveis de desenvolvimento da população. O Banco Mundial está sempre envolvido nessas histórias, claro, mas o ENEM, assim como muitas outras avaliações, tem um lado muito positivo. Ao menos, hoje, a gente pode saber em que ponto da escala estamos, não é mesmo?

Habilidades são relacionadas a desenvolvimento cognitivo. Os exames do ENEM avaliam como os estudantes (em massa) se desenvolveram em português e em matemática. No português, aborda-se a leitura, em níveis de habilidades que vão ficando cada vez mais complexos. Ou... deveriam ficar. O que se nota, nos resultados da avaliação, é que os estudantes brasileiros desenvolvem apenas habilidades mais básicas para a leitura e não alcançam aquelas que dependem de um jogo mais complexo. Localizar uma informação explícita em um texto, por exemplo, é uma habilidade basicona. Nossos estudantes vão muito bem nela. Parabéns para nós, que ensinamos todo mundo a achar direitinho e rapidinho uma data, um nome de personagem, a cor do cavalo branco de Napoleão, mas quando a coisa fica mais difícil, fazer inferências, por exemplo, os nossos dados ficam no vermelho.

Lembra quando você estava no segundo grau? Era assim que se chamava, não era? Lembra daquelas questões dadas pelo professor que dependiam apenas de uma olhadela diagonal no texto para que se encontrasse a resposta? Pois é. Lembra daquelas questões tipo: "João foi com Maria ao cinema". "Quem foi ao cinema?" "João e Maria". Lembra disso? Pois é. Essas são as questões que complicam a turma que presta o ENEM. Ou melhor, pensando bem, é graças a essas questões da vida toda que nossos alunos não afundam mais.

Não há qualquer problema em saber localizar informações. Isso precisa ficar claro, claríssimo. É absolutamente necessário saber fazer isso. O problema é só saber operar assim, a vida toda, mesmo quando se está partindo para a vida adulta, universitária, profissional ou não. Lembra quando você perguntava ao professor se teria de ler "aquilo tudo" para encontrar a resposta? E lembra desta? "Professor, mas essa resposta não está no texto!". Pois é.

Mas não adianta pôr a culpa na garotada. Afinal, eles são a "Geração Y" ou os "Homo zappiens", como dizem os gringos por aí. Essa turma são os sensacionais multitarefa, que foram salvos pelo computador e pelo iPad. O ENEM é que precisa mudar, não é mesmo? Precisamos achar um jeito de capturar a coisa certa. O exame não cabe nesta geração. Meu jovem, o ENEM não te merece.

Bom, a questão é séria. Não me leve a mal, leitor (aliás, perceber ironia é uma habilidade complexa). O ENEM talvez não seja o melhor exame do mundo, e o leitor também não. Mas vamos atrás desse hipertexto: o livro didático em que o garoto estudou também não é, o professor que ele teve não foi dos mais bem-formados do país, a escola estava preocupada em colocar outdoors nas calçadas, os pais acham que comprar livros e ter acesso a bons produtos culturais é bobagem. Enfim... correlações importantes, elementos que colaborariam bastante para que o jovem fosse um leitor melhor. Refiro-me não apenas a ler Machado de Assis, mas a ler jornais, revistas, bilhetes.

Os resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional apontam para o mesmo lado. O bacana de tudo é que o INAF vale para a população, e não apenas para os jovens estudantes. Garoto e garota, se precisar de contra-argumentos, mostre isso aos seus pais.

É claro que há bons leitores no país. Nem tudo está perdido. Há, sim, uma parcela (que se aproxima dos 30% da população) que consegue inferir coisas em um texto, por exemplo. Há quem consiga entender um texto de mais de uma página. O problema é que essas pessoas são a minoria. E isso não é coisa de brasileiro, como gostam de dizer nossos amigos curiosamente travestidos de europeus ou de "o outro". Estamos todos neste barco. Uns pra lá, outros pra cá, mas é por isso que formar professores, avaliar bons livros, formar bons autores, ter boas editoras e boas escolas não é conversa fiada. É fundamental. (Ei, isto não é com o vizinho, é com você.)

Não é o ENEM que vai mudar as coisas. O que muda tudo é provocar alterações nesse sistema inteiro. Vejam que fácil! Ensinar a ler bem não depende de escola e nem de cibercultura, mas se o caminho for por aí, que seja. O desenvolvimento das pessoas sempre pôde acontecer, mesmo quando os norte-americanos não haviam inventado o computador.

Pesquisas bacanas mostram que, por exemplo, nossos livros didáticos mais bem-formulados, aqueles que são top na avaliação desse tipo de material (que vem sendo feita há bastante tempo pelo governo), evoluem pouco nas questões de leitura, ou seja, os usuários desses livros não são demandados a desenvolver habilidades de leitura mais altas. Quando o livro é muito bom, cheio de provocações interessantes, o professor não o adota na escola, exatamente sob a alegação de que o livro é difícil de usar. O editor, então, passa a solicitar aos bons autores que "peguem leve", para que o livro não fuja muito da média. Vejam que encrenca! Para melhorar a nota no ENEM há uma solução: fazer perguntas mais fáceis. Isso mudaria todas as estatísticas. Não é assim que certas pessoas gostam de resolver as coisas? (E certas políticas...)

Alto lá, mas não vamos sacrificar o professor (mais ainda). Ainda bem que nem todo mundo se seduz pelas promessas das profissões imperiais. Há, sem dúvida, excelentes professores por aí, formados em escolas de ponta. É certo que nem sempre eles trabalham em escolas que os mereçam, mas há quem consiga trabalhar muito bem. Mas professor bem formado é aquele cara que estuda, estuda, estuda. Não se pode ser professor para passar o tempo. E professor bacana investiu, quer ganhar bem (e merece, como qualquer outro profissional). Professor legal quer ser respeitado, ter vida digna e tirar férias com a família. Professor bem-formado quer ser respeitado pela escola, pelo aluno e pelo livro didático. Professor inteligente sabe como formular questões interessantes, pensa em projetos de ensino, formula aulas, tem horizonte. Eles existem, sim. E poderiam existir mais, se pudessem seguir suas carreiras com dignidade.

Enfim, caro leitor, o ciclo se fecha, mas se fecha mal. Vale a pena, no final das contas, oferecer ao seu filho(a) (ou ao seu pai/sua mãe) um ambiente cultural mais motivador, mais exigente, digamos assim. Não apenas pelo ENEM, que vai colocar você na universidade, mas pelo desenvolvimento do país, que não pode ser grande sem pessoas legais e capazes de uma boa comunicação, na língua nacional. 


Esse é um texto polêmico, colocado para abrir uma discussão.  Uma retificação: geração Y, pelo que sei, é um termo cunhado pela blogueira cubana Yanis, aludindo à mania, que vigorou  durante um tempo, de se colocar nomes começando com Y nas crianças cubans